segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Lembrança de Criança


Deus em sua grande bondade nos concede lembrarmos nós das coisas pelas quais passamos para que nisto reconheçamos também a sua bondade. Ter memória é realmente necessário para lembrar-se dos mandamentos e de tudo que estudamos para exercer bem nossas obrigações de cristão.
 Deus nos concede a memória para que nela guardemos tudo que se passa em nossa vida e que tenha algum valor.
 Desta forma é que nos lembramos das coisas mais insignificantes e longínquas. De um episódio da infância, de uma surra que levamos, dos conselhos dos avôs, dos irmãos que nasciam e que esperávamos com grande alegria e com uma pontinha de ciúmes. Da boneca que cortamos os cabelos, das primeiras pedaladas de bicicleta, das goiabeiras, do cachorrinho e dos amigos.
 Também ocorre lembrarmo-nos de coisas mais tristes como a morte de um parente próximo, das brigas de nossos pais, ou de qualquer outro fato que de algum modo nos marcou.

 Eu, de modo particular me lembro de muitas coisas da infância.
 Lembro-me de quando tinha apenas três aninhos e que brincando com um ímã e alguns preguinhos que se levantavam quando os colocava perto do ímã bati com força em um deles porque queria que parassem de levantar, e furei com certa gravidade a palma da mão. Lembro que tive que ficar vários dias com a mão direita enfaixada e que doía muito, mas graças a Deus nenhuma seqüela me restou de tão infantil acidente.
 Também outra vez me aconteceu de estar fugindo de um cachorro e subir em um muro não tão alto, mas alto o bastante para mim que tinha apenas cinco anos, e de cair dele com o queixo no chão. Não quebrei nenhum osso, mas tive que passar por uma cirurgia que me custou vários gritos ecoando pelo hospital.
 E ainda de muitas outras coisas me lembro. Tive uma infância muito rica e saudável, pois vivia em uma chácara que me permitia a mim e a meu irmão mais velho corrermos pelos campos em meio a galinhas e patos, vacas e cavalos. A televisão era pouco freqüentada, e assistíamos apenas durante a noite e quando chovia, porque nos era impossível brincar fora de casa.

 E de tudo brincávamos. Pega-pega, esconde-esconde, cabra-cega, polícia-ladrão, de corda, de bicicleta, de subir em árvores, de bola...com quanta saudade me lembro deste tempo tão feliz da minha vida...Brincávamos de tudo, menos das brincadeiras apenas de menina. Meu irmão era mais velho e nunca se sujeitou às minhas vontades. Brincávamos de tudo, menos de boneca ou de casinha. Eu me sujeitava a todas as brincadeiras que ele sugerisse, por mais de menino que pudesse parecer e ele nenhuma vez cedeu às minhas súplicas para brincarmos de casinha. Já estava eu a sujeitar minha vontade a de um homem, costume que sempre me rondou desde muito pequena.

 Lembro-me de meu pai que passava o dia nas lidas da terra e do gado. Sempre estava ele com algum trabalho, aparentemente pesado, que realizava sempre muito quieto, assobiando de vez em quando alguma canção que eu não conhecia e “pitando” seu cigarro de palha quase que o dia todo.
 Lembro-me de minha mãe que saía todos os dias para trabalhar e voltava tarde do serviço. Eu ficava ansiosa à sua espera, olhando sempre para o portão esperando ver quando ela chegasse. Mas quando chegava sempre tinha afazeres domésticos e pouco era o tempo que deveras passava comigo e com o meu irmão.
 Queria me lembrar mais de minha mãe na minha infância. Queria me lembrar de seu rosto feliz enquanto cozinhava, queria que tivesse tido tempo para me ensinar coisas novas, queria ter ficado mais em sua companhia. Mas ela sempre foi obrigada a sair e ajudar meu pai no sustento do lar. Certamente que não era escolha sua, mas a isso teve de submeter seu tempo precioso, tempo este que era nosso, meu e de meu irmão.

 Queria me lembrar mais, queria ter aprendido mais, queria mais a companhia da minha querida mãe. Mas não nos é permitido sermos saudosistas à toa. Não se pode ter saudades do que não existiu.
 Devo sim agradecer a infância que Nosso Senhor  me proporcionou, a mim e a meu irmão. Fomos de certa forma protegidos do mundo e escondidos de todos os males que uma vida menos privada proporciona. Vivíamos em uma zona rural e lá é que construímos o nosso mundinho. Saíamos apenas para ir à escola e para visitar a família. Era nosso refúgio. Nosso esconderijo.
 Queira Deus que também eu possa proporcionar aos meus filhinhos esta vida doce de criança, onde reinam as cantigas de roda e as brincadeiras festivas. Que também eu saiba esconder e defender meus pequenos das máximas mundanas. Que eu possa sempre estar com eles em casa como uma sentinela que nunca abandona o seu posto.
 Que Deus me ajude!
 In Cor Jesu et Mariae,
 Lucie.